segunda-feira, 24 de agosto de 2015

-UM DIALOGO DE LONGO ALCANCE COM MARINA SILVA


Por Edilson Silva

Para onde vai Marina Silva? O que ela pensa? O que significa este seu movimento por uma nova política? Que sinais, símbolos e gestos são estes que ela movimenta e que chegam a embaralhar mentes habituadas a raciocinar sobre um plano cartesiano, mas que ao mesmo tempo lhe deram 20 milhões de votos? O que existe de “sólido” – se é que existe ou deveria existir -, em toda a liquidez de sua linguagem, liquidez que tende a nos deixar mesmo com impaciência diante de tanta imprevisibilidade?

Foi atrás de respostas a perguntas como estas que alguns dirigentes do PSOL – sem delegação partidária -, reunimo-nos com Marina Silva no escritório onde está sendo construído o Instituto Marina Silva, em Brasília, no último dia 13 de setembro. Estavam lá Martiniano Cavalcante, membro do Diretório Nacional e delegado pessoal de Heloisa Helena que por motivos pessoais não pode estar presente; o deputado do PSOL-RJ Jean Wyllys; o senador do PSOL-AP Randolfe Rodrigues; o presidente do PSOL-RJ e membro da Executiva Nacional do PSOL, Jefferson Moura; além deste que escreve este texto, Edilson Silva, presidente do PSOL-PE e também membro da Executiva Nacional. O destino do movimento que Marina representa importa e muito aos destinos da esquerda brasileira, daí nossa reunião exploratória.

Marina nos recebeu com o abraço generoso dos povos da floresta e com o seu firme aperto de mão. A generosidade e a firmeza não estariam somente nestes gestos, mas nas quase quatro horas em que se dedicou a nós, para conversarmos sobre política, Brasil, mundo, civilização, psicanálise, socialismo, povo e vários outros temas. Paciente, com um jeito sempre professoral – quase sempre concluindo seu raciocínio com uma pergunta afirmativa - certo?! Correto?! -, e sempre  muito humilde, explicou em pormenores o que pensa sobre política, sobre o mundo, as revisões e sínteses que vem fazendo em suas convicções políticas.

Ao final de sua primeira exposição, já ficou suficientemente claro – pelo menos para mim, que estávamos realmente diante de uma figura especial, diferente, cujo raciocínio se dedica com muito afinco a interpretar os sinais – que ela chama de desvios -, vindos da periferia do sistema, que ela chama de borda da sociedade. Já havia conversado, por duas vezes, um pouco mais de perto com Marina, mas não havia ainda capturado esta dimensão de seu ser retórico. Ou talvez ela tenha tirado conclusões contundentes de sua saída do PV e agora consiga as expor da forma mais completa, como nos  fez perceber.

A líder do Movimento Por Uma Nova Política não se deixa entabular nas funções lineares da velha política e nem na dialética vulgar. Às vezes tem-se a impressão que ela alterna sua visão entre um telescópio, de tão longe que enxerga, e um microscópio, tamanha a penetração que busca para interpretar os desvios vindos da borda. Uma mistura rara de fé e ética cristãs, psicanálise, resquícios de um marxismo católico militante e um profundo compromisso com a sustentabilidade ambiental.

No meio deste turbilhão de difícil apreensão, consegue-se capturar alguns elementos “sólidos” e mesmo salientes que dão base ao seu pensamento estratégico. Marina Silva não acredita mais no monopólio da democracia representativa e mesmo na participativa, ou semi-direta, na gestão do Estado. Sua conclusão não se dá apenas pela visível falência do regime democrático tradicional em si, mas por que a sociedade não só não acredita mais nesta democracia, como já busca ela mesma outras formas de participação democrática – que Marina chama de “aplicativos” para a democracia. A internet, com suas múltiplas possibilidades, é parte deste reprocessamento estrutural, em que, mais que tudo, os partidos devem ser reinventados, pois eles têm papel importante na vida política.

Segundo concluí, Marina não vê futuro para os partidos nos moldes atuais, e nisto concordo com ela. A fúria anti-partidária que varre o mundo é parte dos sinais/desvios que emitem estas mensagens. Em relação a isto, sua saída do PV foi um gesto radical – atirou-se num precipício escuro, ou não -, que desenvolveu uma musculatura flagrantemente exposta na dimensão do ethos de seu discurso. Uma aula de coerência.

Do “alto” de nosso pragmatismo programático, duas perguntas não poderiam deixar de ser feitas – visto que em relação às questões ambientais a biografia de Marina fala por si: que fazer com a armadilha da dívida pública, que consome quase metade do orçamento do Estado brasileiro? - neste ponto, eu em particular critico muito o silêncio de Marina. E em 2014, o que esperar de Marina Silva? Ela deixou claro que entendeu a primeira pergunta mais como uma questão de natureza ideológica, estabelecendo que não se pode combater a inflação basicamente com política de juros e nos fez pensar que é preciso achar-se uma equação que equilibre as transformações necessárias na política econômica com possibilidades reais de causar estas transformações, e que ela ainda não tinha respostas para isto, logo, seguia sem ser conclusiva em relação ao tema. Se for assim, é bastante razoável. Sobre 2014, óbvio que ela não faria outra afirmação que não deixar todos os cenários abertos, colocando que as movimentações futuras é que dirão os passos posteriores às movimentações futuras.

Sobre os movimentos práticos da iniciativa que comanda, tudo é muito mais concreto. Quer atrair gente de todas as colorações que queiram desenvolver ações honestas em torno da plataforma do movimento, de Pedro Simon a Heloisa Helena. Sobre as eleições 2012, a idéia é contribuir com todos os atores que estejam disputando eleições e que dialoguem com esta plataforma.

Encerrada a reunião, e após um intervalo de poucas horas, encontramo-nos todos de novo num dos auditórios da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio. Lá estavam o deputado Regufe (PDT-DF), o senadores Pedro Taques (PDT–MT); Cristóvão Buarque (PDT-DF); Eduardo Suplicy (PT-SP); Walter Feldmam, deputado paulista que deixou o PSDB. Do PSOL, os parlamentares presentes eram o senador Randolfe e o deputado Jean Wyllys.

Ao final da maratona, muitas imprevisibilidades ainda persistiam, mas algumas sinalizações estavam muito claras: as movimentações de Marina não são superficiais e efêmeras, mas dotadas de um navegador de longo alcance e com norte republicano, portanto de esquerda, ou no mínimo progressista; Marina pode até não ser “agraciada” com o título de ecossocialista – talvez ela nem queira este título, mas está muitíssimo longe de ser caracterizada como ecocapitalista; o Movimento pela nova política que Marina impulsiona tem uma inequívoca força magnética para setores mais à esquerda do espectro político do país, assim como da sociedade.

Trata-se de uma movimento, portanto, que merece o aplauso da sociedade e das forças da esquerda brasileira, que deve interagir com ele, intervir sobre ele, buscando produzir aí sínteses que ampliem as possibilidades de aprofundamento da democracia brasileira, única forma de construirmos uma cultura política de massas que desidrate com efetividade a corrupção, que respeite o meio ambiente e produza alternativas para a suposta crise fiscal que vive o Estado brasileiro.

Não foi, logo, discutido criação de partidos ou coisas pelo estilo. Discutimos os rumos da democracia, do Brasil, da civilização. Esta é a pauta que Marina Silva está propondo.
Presidente do PSOL-PE, membro da Executiva Nacional do PSOL e do Movimento Ecossocialista de PE. 

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Linna
Linha de Estudo e Pesquisa em Educação Física Esporte e Lazer - LEPEL UFBA

-GLOBALIZAÇÃO E CULTURA



Por: Jeorge Cardozo*


A globalização é uma palavra que indica não que interpreta ou sintetiza, portanto, indica o problema, não a chave da sua interpretação. Sinaliza uma nova realidade da experiência vivida no final do século XX, indicando uma nova etapa e um novo quadro do processo de desenvolvimento das interdependências das nações mundiais, que, ao mesmo tempo, integra e polariza o sistema mundial, a impressionante aceleração da mobilidade e dos fluxos de pessoas, bens, capitais e símbolos, etapa e quadro que podem ser vistos em perspectiva e os passos anteriores na direção da internacionalização e da mundialização das relações entre as pessoas e o modo de produção.

Mas, é preciso não cair no rito usual da idéia de globalização, nos moldes colocados pelo sistema capitalista e, se criar um modelo contra hegemônica de globalização onde todos os sujeitos estejam inseridos, diferentemente, do modelo de globalização preconizado pelo poder hegemônico do capital. Portanto, é preciso problematizar, construir modelos de teorização, observação e análise suficientemente críticos para dar conta de análise mais aprofundada e extensa do modelo atual de globalização e das suas tendências teóricas atuais, que, escondem nas suas entrelinhas, as mazelas desse paradigma globalizante preconizado pela burguesia detentora dos conhecimentos teóricos implícitos na globalização.

Portanto, para se ter uma idéia mais profunda do fenômeno ora estudada que é a globalização, faz-se necessário, pluralizar buscando uma precaução do método, para não na tentação de uniformizarmos e reduzirmos “globalizações”: que são vários fatores, várias configurações, vários efeitos da mesma dinâmica, como propõem Appadurai (1990, 1996) que a interpretação sociológica seja considerada através da mediação dos “quadros”, ou como preconiza Boaventura Sousa Santos (1995), que seja através dos “espaços estruturais”, ou seja, domestico, do trabalho, do mercado, da comunidade, da cidadania e do espaço mundial, ou então, que é o que aqui se vai ensaiar de seguida, das especializações sociais que articulam formas de organização e interação social, principalmente nas cidades contemporâneas.

Explica ele, que o quadro de complexidade da cultura estudado por ele, torna clara a dificuldade, já anteriormente notada, de se definir uma visão coerente da expressão cultural das cidades, já revelada na precariedade das tentativas de estipular imagens consistentes que as promovam no plano da competitividade em que se encontram atualmente. Portanto, há hoje, uma hibridação ou crioulização das culturas, ou o anunciado o processo de lateralização subordinante ou de resistência de certas expressões culturais identitárias presentes na cidade, estávamos, na verdade, a definir um conjunto de possibilidades abertas pela relação local-global a iniciativas culturais dispersas, cujo sucesso depende em grande parte da capacidade de recombinação e cruzamento de elementos originários dos mais diversos domínios da atividade social, econômica, artística ou cultural num sentido mais estrito.

São nesse sentido de recombinação de elementos que iremos abordar amplamente as competências práticas de agentes determinados, as especialidades compostas de interação social e os modos de intervenção na cidade, deixando, a terminar, algumas questões acerca do lugar do espaço público e da sua eventual revitalização.

A plasticidade da realidade social e a multiplicidade e articulação de campos de ação e de referencias têm originado um sentimento generalizado de ambivalência e multiplicidade de valores e levado alguns analistas a falar em caos do tempo atual. O que está em jogo, nesta perspectiva, é a idéia de excesso de significados dados às coisas e dos lugares que contesta a estratégia modernista de classificação racional. Portanto, a alternativa tem sido a valorização da metáfora da hibridação (cruzamento de espécies diferentes) ou contaminação que assinala o surgimento de categorias compósitas (constituída por mais de um elemento), seja no domínio das identidades dos sujeitos, seja nas expressões artísticas ou literárias, ou nas próprias concepções do tempo e dos espaços. A metáfora da hibridação e da contaminação, cujas origens remotam à biologia do século XIX na visão de (Young, 1994), tem subjacente (subentendido) o principio da mobilidade dos atores envolvidos e da permissividade das fronteiras, bem como da fragilidade das classificações.

Destacamos, entretanto, as zonas de intermediação entre entidades e processos que parecem relevantes para uma reflexão sobre os reajustamentos sociais e culturais decorrentes da globalização e atuantes sobre os modos de organização da cultura urbana e a relação entre espaços públicos e privados.

Portanto, destacamos deste modo, quatro zonas de intermediação: as “terceiras culturas”, as “relações sociais de estranhamento”, a “domesticidade” e o “espaço de proximidade relacional”.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: TERCEIRAS CULTURAS

Terceiras culturas são como território transnacional (além das fronteiras) de negociação e resolução de problemas surgidos com a globalização e o contacto interculturais. Como exemplo disso, podemos citar os profissionais do direito internacional ou do design, intelectuais e as próprias indústrias culturais de hoje são, em princípio, detentores de competências técnicas e profissionais especificas que lhes permitem viver “entre culturas” e estabelecer comunicação entre si através da retradução dos seus sentidos e significados.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO: RELAÇÕES SOCIAIS DE ESTRANHAMENTO TOLERÂNCIA.

A relação dos cosmopolitas (elementos de vários países, universal, internacional) e profissionais das terceiras culturas com as culturas locais e os seus atores. Apesar da sua tácita relação de mútua sobrevivência, o contacto entre uns e outros não é direto nem intimista. Diríamos mesmo que configura uma relação social de estranhamento. O que melhor caracteriza a relação social de estranhamento e o fato de não corresponder nem à relação típica de interconhecimento nem a de conflito. Daí que seja uma relação inscrita na ambigüidade e, logo, portanto, na indeterminação do seu desenrolar e desfecho.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 3: DOMESTICIDADE E PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS.

Uma das linhas reequacionamento do lugar do espaço doméstico na estruturação das práticas culturais tem vindo a ser problematizada através do seu confronto com as chamadas práticas de saída, portanto, estas práticas de saídas não podem ser entendidas como práticas vazias de conteúdo e convocar atividades, significados e especialidades dos jovens, na formação de estilos de vida e na mediação de processos identitárias. Em vista da tendência para que a domesticidade reforce e faça cristalizar as hierarquias sociais, relacionadas com as disposições estéticas e os contextos de socialização, portanto, urge a necessidade de políticas culturais e educativas consistentes que promovam a democratização cultural no Sul.

ZONA DE INTERMEDIAÇÃO 4: ESPAÇO SOCIAL DE PROXIMIDADE RELACIONAL

Sobre as falências das designações nominalistas dos espaços, vale à pena enunciar apenas outras duas situações que problematizam o valor heurístico (alegria por um achado ou descoberta) da dicotomia (divisão em dois) público-privado.

-A REVOLUÇÃO E O PAPEL DO ESTADO



Por Jeorge Cardozo*
   
O papel da revolução é romper com as barreiras entre a superstição do Estado capitalista burguês, o comércio produzido por ele e trazer o homem de volta a si mesmo. A consciência, hoje comum, vislumbrada pela ideologia capitalista burguesa, da possibilidade da autodestruição humana. Tudo parece apontar, em sinistra evidencia, para o desaparecimento do homem.
   A transformação da existência humana em um processo de produção e consumo resulta em uma aceleração crescente da troca de bens, delineada pelo modo de produção vigente, tendo o uso da natureza de forma predatória e irresponsável, como se a geração atual fosse à última a se utilizar dela. Todas as coisas habitação, vestuário, mobiliário, economias assumem caráter efêmero. Em todos os setores, o mesmo se afirma: a permanência deixa de existir, em nada mais é possível confiar. E o povo? Existem verdadeiramente, enquanto cidadão em busca de transformações que vêm a nosso encontro ou se colocam enquanto sujeitos ativos? Antes que busquemos respostas a tais considerações, é preciso saber qual o papel da revolução e do Estado e, de como ele se apresenta para nós. Com efeito, não temos consciência do que seja o Estado e qual o papel que o mesmo desempenha para inibir as ações revolucionárias no seio da sociedade de classe, a partir do momento em que nos encontramos tendendo para a alienação ideológica. “A classe dirigente domina também como pensadora, como produtora de idéias, e regula a produção de idéias de sua época: assim suas idéias são idéias dominantes da época” (Marx e Engels, 1970: 81).
   Não há Estado sem as classes conflitantes, nem revolução sem o entendimento desse conflito. Em outras palavras, não há revolução sem sujeitos ativos, nem transformação antes de crises generalizadas. A revolução real é manifestação da realidade e não a realidade por si só, distante da crise generalizada como tal. Somos lançados a esse processo dialético, onde nos orientamos com o auxilio do conhecimento cientifico universalmente válido, que, entretanto, nada nos diz acerca do que esteja para além de seus limites impostos pela ideologia dominante. “A classe dirigente tem de exercer seu poder em seu próprio interesse de classe, enquanto afirma que suas ações são para o bem de todos” (Marx e Engels, 1970:106). Só o conhecimento de causa, efeito e conseqüência dessa dialética, nos pode libertar da escuridão alienante da superestrutura ideológica vigente.
   Portanto, a mudança de mentalidade só existe na medida em que aparece a dicotomia crise-mudança e o sujeito torna-se consciente de si mesmo, por assim dizer, como sujeito revolucionário, porque reconhece essa dignidade em si mesmo e nos outros homens. Como bem diria Kant “nenhum homem pode ser, para outro, apenas meio; cada homem é um fim de si mesmo”. A farsa da democracia vigente, como bem diz Jaspers, só serve para o homem contemporâneo “colocar o voto na urna como sendo o único ato político praticado pelo povo e praticado sem maior reflexão. No fundo, isso equivale a decidir por aclamação, que a mesma oligarquia de partidos e de pessoas continue no poder. Nenhum deles trabalha em favor da liberdade política interna ou a favor da liberdade de pensamento. Nenhum deles procura ajudar o povo a educar-se politicamente. Carentes de vocações, esses políticos encaram suas funções como um simples emprego, vantajoso sob todos os aspectos, com bom salário, direito a aposentadoria e sem qualquer risco” ( Jaspers, 1965: 72). Falar que isso é democracia, não passa de legitimar, no seio da sociedade, conceito de igualdade, mediante falácias, continua Jaspers, “a democracia degenera em oligarquias de partidos. O que se tem por cultura não passa de bolhas de sabão em salões literários. O espírito perde densidade” (Jaspers, 1965: 72). Destarte, numa discussão hostil entre indivíduos inflexíveis, cada qual busca impor sua opinião ao outro; num debate aberto entre indivíduos esclarecidos, ambos querem assegurar-se da posse da verdade, como se essa fosse imutável.
   Portanto, quando compreendemos nossos próprios juízos, tornamos mais livres com respeito a eles. Sem embargo, nenhuma compreensão permite que nos apropriem das potencias que produzem a significação inteligível e que, não obstante, estão presentes em nós. “Resistência de culturas contra-hegemônica vem seguindo uma tradição, desde os pensamentos anti-colonialista” (Boaventura Santos, 1995: 55).
   Seja a revolução o que for, está presente no ideário humano e a ele necessariamente se refere. Certo é que ela rompe o estado de inércia do homem para lançarem-se as mudanças em curso. Mas retorna a realidade para aí encontrar seu fundamento histórico dialético sempre original. O problema crucial é o seguinte: o homem atual capitaneado pela ideologia vigente aspira às mudanças repetina, que o sistema atual não quer. A revolução é, portanto, perturbadora da ordem vigente. Entretanto, para conciliar esse estado perturbador é que aparece o Estado como o mostro todo poderoso, capaz de apaziguar as classes em conflito, como bem dizia os clássicos. No entanto, nesse texto ora produzido aqui, vamos falar do Estado, na visão clássica de Marx e Engels e na contemporânea de David Harvey, que preconizam que o Estado não é algo de novo na esfera do estado capitalista, ele, apenas, ganhou novas configurações para adaptá-lo, ao atual momento do capital, diz Harvey, citando Marx e Engels, “no entanto, não seria correto afirmar que o Estado apenas recentemente se tornou agente central para o funcionamento da sociedade capitalista. Ele sempre esteve presente; apenas suas formas e modos de funcionamento mudam conforme o capitalismo amadurecia” (Harvey, 2006: 79). Já para Marx e Engels o Estado “é uma forma independente, que surge da contradição entre o interesse do individuo e o da comunidade. Essa contradição sempre se baseia na estrutura social e, em particular, nas classes, já determinadas pela divisão social do trabalho e pela qual uma classe domina todas as outras” (Marx e Engels, 1970: 53-4). Para Engels “o Estado não é, de modo algum, um poder, de fora, imposto sobre a sociedade; assim como não é a realidade da razão, como sustenta Hegel. Em vez disso, o Estado é o produto da sociedade num estagio especifico do seu desenvolvimento; é o reconhecimento de que essa sociedade se envolveu numa auto-contradição insolúvel, e está rachada em antagonismos irreconciliáveis, incapazes de ser exorcizado – no entanto, para que esses antagonismos não destruam as classes com interesses econômicos conflitantes e a sociedade, um poder, aparentemente situado acima da sociedade, tornou-se necessário para moderar o conflito e mantê-lo nos limites da ‘ordem’; e esse poder, nascido da sociedade, mas se colocando acima dela e, progressivamente, alienando-se dela, é o Estado” (Engels, 1994: 155). Destarte, Harvey, citando Engels, brilhantemente, nos dar uma concepção atualizada do papel do Estado na sociedade capitalista atual “o Estado que se origina da necessidade de manter os antagonismos de classe sob controle, mas que também se origina do meio da luta entre às classes, é, normalmente, o Estado da classe economicamente dirigente, e, assim, obtêm novos meios de controlar e explorar as classes oprimidas. O Estado antigo era antes de qualquer coisa, o Estado dos senhores de escravos para controlar os escravos, assim como o Estado feudal era o órgão da nobreza para oprimir os servos camponeses, e o Estado representativo moderno é o instrumento para explorar a mão de obra assalariada pelo capital. No entanto, ocorrem períodos excepcionais – quando classes antagônicas quase se igualam em forças, em que o poder do Estado, como aparente mediador, adquire, naquele momento, certa independência em relação a ambas as classes” (Harvey, 2006:800).  
   Nesse momento, o Estado se transverte de uma “máscara”, que, momentaneamente, parece está fora do interesse de ambas às classes envolvidas, até que, os ânimos voltem ao normal, ou seja, uma classe se sobreponha a outra e passe a se utilizar do Estado como máquina de poder, como bem diz Harvey, “o uso do Estado como instrumento de dominação de classe cria uma contradição adicional: a classe dirigente tem de exercer seu poder em seu próprio interesse de classe, enquanto afirma que suas ações são para o bem de todos” (Harvey, 2006:80-1).
   Todo esse processo de dominação feita pela classe dirigente sobre o Estado é delineado por uma superestrutura ideológica de legitimação, como bem afirma Harvey, citando Marx e Engels, “toda a nova classe que se opõe no lugar da classe dirigente anterior fica obrigada, para levar a cabo seu objetivo, a representar seus interesses como o interesse comum de todos os membros da sociedade [...] precisa dar a sua idéia a forma de universalidade, e representá-las como as únicas idéias racionais e universalmente válidas. A classe que promove a revolução aparece desde o inicio {...} não como uma classe, mas como a representação do conjunto da sociedade” uma espécie de consenso, (grifo nosso) (Harvey, 2006:82).
   Com a colaboração dos clássicos da revolução, Marx e Engels e do contemporâneo David Harvey, compreendemos um pouco o porquê da importância da revolução para derrubar a contradição delineada pelo Estado capitalista e as suas diversas formas de legitimar à sua atuação ideológica. Portanto, assim, podemos entender o porquê de Marx e Engels, não compactuarem com a idéia de Estado.
   O Estado, enquanto máquina de poder vai está sempre a serviço da classe dirigente, essa concepção, precisa ser mais bem entendida enquanto prática, digo isso, pela nuance criada pelo Estado pseudo-comunista soviético e do leste europeu, que, envolvido em uma contradição ditatorial, não conseguiu extenuar, de fato, a concepção de Estado vigente, e, portanto, não conseguiu criar uma democracia socialista. Portanto, na minha humilde concepção, fica claro então, que nenhum modelo econômico seja socialista, capitalista, feudal, sobrevive isoladamente. No caso especifico do pseudo-socialismo soviético e do leste europeu, foram espremidos pela ação dinâmica do capitalismo e pelo centralismo burocrático de Stalin. Hoje, percebemos que a visão de Trotsky, de uma revolução permanente era o caminho mais viável. Entendemos também, que o atual estágio vivido pelo modo de produção capitalista, onde, resguardado por uma superestrutura midiática poderosa, capaz de atingir bilhões de pessoas no mundo todo em fração de milésimo de segundos, só uma ação revolucionaria coordenada, mediante uma grande crise que envolva as economias vigentes, levando-as aos caos, poderá criar espaço significativo para uma ação revolucionaria coordenada.
   Destarte, isso não me parece distante de acontecer, pois, as economias ditas capitalistas, nos seus maiores centros, passam por turbulências graves, apesar dos “remédios” imediatistas feitos pelos dirigentes políticos dessas nações. Percebemos ainda, que essas crises têm acontecido em espaço de tempo cada vez menor. Portanto, esse é o caminho a ser seguidos pelos partidos revolucionários, ou seja, se aproveitar do momento de crise generalizada para impor uma nova dinâmica ao mundo contemporâneo.

-SOBRE A MORTE



por Jeorge Cardozo*

Depois, do que é pra muitos, um enigma, a existência real de Deus, a morte, sem sombra de dúvidas, é um mistério que aflige grande parte da humanidade. De onde vim, pra onde vou, terá mesmo outra vida após a morte, são perguntas que, inexoravelmente, cada um nós já nos vimos diante dela. Quanto a mim, vivo tudo que nasci pra viver, não tenho medo da morte, desde que ela, a morte, venha depois do 90 anos e que seja rápida, sem sofrimento e sem dar trabalho a ninguém, pois, pela minha própria imperfeição diante da perfeição que é o universo, vejo-me compelido em acreditar em algo superior, tão perfeito, ou mais, quanto as leis do universo, portanto, Deus pra mim é isso, parafraseando Descartes, a minha própria imperfeição, diante da perfeição.
Voltando a morte, as crendices religiosas, nos tornam reféns desse medo pós morte, que é a escolha entre o céu e o inferno, como se esses dois enigmas, não estivessem presentes aqui mesmo no próprio universo. O inferno pra mim, seria a prisão (para a maioria), e o céu, as belezas da amazônia, de Galápagos, Fernando de Noronha...
Por esta causa, não choro pelos entes mortos após ter vivido tudo isso, mas, choro pelas crianças que morrem cedo de fome, miséria, guerra, violência urbana, enfim... e não tem a chance de viver o verdadeiro céu. Destarte, nós, adultos, é que escolhemos entre o céu e o inferno, o bem e o mal enfim... quanta as crianças, essas não pode escolher.
Viva os mortos que puderam, aqui na terra, viver o céu, e dele, tirar proveito dos poucos ou muitos momentos de paraíso e pasmo com aqueles que podia escolher conhecer esse céu aqui na terra, mas, no entanto, escolheram o inferno.

-SOBRE OS REGIMES DE GOVERNO


por Atilio Boron

É uma prática profundamente arraigada que os governos adversos à dominação americana sejam habitualmente caracterizados como "regimes", pelos grandes meios de comunicação do império, pelos intelectuais colonizados da periferia e por aqueles que o grande dramaturgo espanhol Alfonso Sastre magistralmente qualificou como "intelectuais bem pensantes". A palavra "regime" adquiriu na ciência política uma conotação profundamente negativa ainda que esta não existisse na sua formulação original. Até meados do século XX falava-se do "regime feudal", do "regime monárquico", ou do "regime democrático" para aludir a leis, instituições e tradições políticas e culturais que caracterizavam cada sistema político. Contudo com a Guerra-fria e depois com a contrarrevolução neoconservadora este vocábulo mudou completamente o seu significado. No seu uso atual a palavra é empregada para estigmatizar governos ou estados que não se ajoelham perante as ordens de Washington, que por isso mesmo os caracteriza como autoritários e, em não poucos casos, como tiranias sangrentas.

Contudo, um olhar sóbrio sobre este assunto comprovaria a existência de estados abertamente despóticos que, apesar disso, os arautos da direita e do imperialismo jamais qualificariam como "regimes". Na conjuntura atual proliferam analistas políticos e jornalistas (incluindo alguns "progressistas" um tanto ou quanto distraídos) que não encontram inconveniente em aceitar o uso da linguagem estabelecida pelo império. O governo sírio é o "regime de Bashar Al Assad"; e a mesma classificação é utilizada para falar dos países bolivarianos. Na Venezuela o que existe é um "regime chavista"; no Equador é o "regime de Correia" e a Bolívia está submetida aos caprichos do "regime de Evo Morales". O fato de se terem desenvolvido nesses três países instituições e formas de protagonismo popular e funcionamento democrático, superiores aos existentes nos Estados Unidos e na maioria dos países capitalistas desenvolvidos é olimpicamente ignorado. Como não são amigos dos Estados Unidos o seu sistema político é classificado como "regime".

O duplo critério que se aplica nestes casos fica em evidência quando se observa que as infames monarquias petrolíferas do golfo, muito mais despóticas e brutais do que o "regime sírio", nunca são estigmatizadas com a palavrinha em questão. Fala-se por exemplo, do governo de Abdullah bin Abdul Aziz mas nunca do "regime saudita", apesar de este país não ter sequer um parlamento mas sim uma "Assembleia Consultiva" cujos membros são escolhidos pelo monarca entre os seus parentes e amigos; de os partidos políticos estarem expressamente proibidos e de o poder ser exercido por uma dinastia que se perpetua há décadas no poder. Exatamente o mesmo sucede com o Qatar a quem nem por rebate de consciência ao New York Times ou aos media hegemônicos da América Latina e do Caribe ocorre tratarem-nos por "regime saudita" ou "regime qatari". A Síria, ao contrário, é um "regime" – apesar de ser um estado laico no qual até há bem pouco tempo conviviam diversas religiões, onde existem partidos políticos legalmente reconhecidos e um congresso com representação da oposição. Mas nada lhe tira a alcunha de "regime". Por outras palavras, um governo amigo, aliado ou cliente dos Estados Unidos, por mais violador que seja dos direitos humanos, nunca será caracterizado como um "regime" pelo aparato propagandístico do sistema. Por outro lado os governos do Irã, Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua, Equador e outros mais são invariavelmente caracterizados dessa maneira. [1]

Para comprovar rotundamente a tergiversação ideológica subjacente a esta caracterização dos sistemas políticos basta recordar a forma como os publicitários da direita caracterizam o governo dos Estados Unidos, considerando-o o "non plus ultra" da realização democrática. Isto apesar de o antigo presidente Jimmy Carter dizer que o seu país "não tem uma democracia que funcione". O que há é um estado policial muito habilmente dissimulado, que exerce uma vigilância permanente e ilegal sobre os seus próprios cidadãos, e cujo feito mais importante que realizou nos últimos trinta anos foi permitir que apenas 1% da população enriqueça como nunca até aqui, à custa do estancamento dos rendimentos recebidos por 90% da população. Na mesma linha crítica da "democracia" estado-unidense (na realidade uma cínica plutocracia) encontra-se a tese do grande filósofo Sheldon Wolin, que caracterizou o regime político imperante no seu país como "um totalitarismo invertido". Segundo ele, "o totalitarismo invertido… é um fenômeno…que representa fundamentalmente a maturidade política do poder corporativo e a desmobilização política da cidadania". [2] Por outras palavras, a consolidação da dominação burguesa nas mãos dos oligopólios, por um lado, e a desmobilização política das massas, devido à apatia política, abandono e mesmo desdém pela vida pública, e a fuga individual no sentido de um consumismo insano sustentado pelo endividamento galopante, por outro. O resultado: um "regime" totalitário de novo tipo. Um democracia "peculiar", em suma, sem cidadãos nem instituições, e na qual o peso esmagador do "establishment" esvazia de todo conteúdo o discurso e as instituições democráticas, convertidas por isso num esgar sem gosto nem graça, e absolutamente incapaz de garantir a soberania popular. Ou seja, de tornar realidade a velha fórmula de Abraham Lincoln quando definiu a democracia como "o governo do povo, pelo povo e para o povo".

Em resultado desta gigantesca operação de falsificação da linguagem, o estado norte-americano é concebido como uma "administração", ou seja, uma organização que em função de regras e normas claramente estabelecidas gere a coisa pública com transparência, imparcialidade e apego ao mandato da lei. Na realidade, como afirma Noam Chomsky, nada disso é verdade. Os Estados Unidos são um "estado canalha" que viola como nenhum outro a legalidade internacional bem como alguns dos mais importantes direitos e leis do seu próprio país. Assim o demonstram, no caso interno, as revelações sobre a espionagem que a NSA e outras agências têm feito contra o próprio povo americano, já para não falar de atropelos ainda piores como os que se produzem diariamente na prisão de Guantanamo, ou a persistente ferida aberta do racismo. [3] Proponho por isso que se abra uma nova frente da luta ideológica e se comece a falar sobre o "regime de Obama", ou do "regime da Casa Branca" cada vez que tenhamos de nos referir ao governo dos Estados Unidos. Será um acto de justiça que melhora a capacidade de análise, e contribui para higienizar a linguagem política, emporcalhada e abastarda pela indústria cultural do império e a sua inesgotável fábrica de mentiras.

-ANISTIA INTERNACIONAL DENUNCIA FARSA NA LÍBIA


Escrito por: Mário Augusto Jakobskind


O jornal britânico The Independent publicou relatório da Anistia Internacional inocentando regime de Muammar Khadafi e incriminando os rebeldes que têm o apoio da Otan, responsável pelo bombardeio diário na Líbia. Ou seja, todas as denúncias de violências supostamente cometidas pelas forças do governo Khadafi, amplamente divulgadas pela mídia de mercado, não se sustentam. Entraram no rol do esquema que antecedeu a invasão do Iraque com as tais armas de destruição em massa, que nunca existiram. Serviram para justificar a invasão e posterior ocupação.

E imaginar que as denúncias sobre estupros em massa ordenados pelo regime de Khadafi, emprego de helicópteros e armas proibidas contra a população civil não foram comprovadas pela Anistia Internacional, que já denunciou prisões arbitrárias em vários países, inclusive quando na Líbia, o país norte africano estava sendo aceito pelos países que hoje bombardeiam e matam civis, dá para imaginar como mentem os “justiceiros” do mundo.

Na verdade, a Anistia encontrou indícios de que em várias ocasiões, os rebeldes em Benghazi fizeram deliberadamente declarações falsas e distribuíram versões mentirosas sobre crimes cometidos pelo governo líbio.

A secretária de Estado, Hillary Clinton, que visivelmente faz o jogo do complexo militar baseou todas as suas acusações a Khadafi em “informes” inventados pelos rebeldes, segundo a Anistia Internacional.

A mídia de mercado de todos os quadrantes ajudou, como de outras vezes, a dourar a pílula. Quer dizer, a farsa do Iraque se repete na Líbia. Os bombardeios diários da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que alguns canais de televisão denominam erradamente, por ignorância ou opção ideológica, de Aliança Ocidental, inventaram pretextos para intervir no país norte africano.

É inconcebível que esta prática se repita em todas as áreas do planeta onde há riquezas cobiçadas pelos Estados Unidos e demais países industrializados. E ainda pior: bombardeios inteligentes atingem alvos civis em nome de “intervenção humanitária”.

Espera-se que depois disso, a Organização das Nações Unidas, que deu o sinal verde para as ações contra a Líbia leve em conta o relatório da Anistia Internacional, ao menos o investigue de forma isenta, e mesmo reveja a posição adotada. Se não fizer isso e seguir dando pretexto para os bombardeios, a credibilidade da entidade vai à zero.

Que Barack Obama, Hillary Clinton, David Cameron e Nicolas Sarkozy, entre outros, façam isso, pode-se concluir que estão na verdade defendendo interesses econômicos, mas a ONU dando o aval é realmente desesperador.

O que teriam a dizer neste contexto a Presidenta Dilma Rousseff e seu Ministro do Exterior, Antonio Patriota? Afinal de contas, a Otan, com a chancela da ONU comete sérias violações dos direitos humanos. Ficar calado ou apoiar é na prática aprovar. Até porque, a própria Presidenta brasileira já deixou claro inúmeras vezes que se posicionaria onde se cometam violações dos direitos humanos.

Mas é preciso tomar cuidado para não cair na armadilha estadunidense que bota a boca no trombone apenas contra países que não fazem o jogo da Casa Branca. A Arábia Saudita, governada por uma família real aliada de Washington, que viola diuturnamente os direitos humanos, não é condenada ou sequer citada pelos Estados Unidos, da mesma forma que a entrada de tropas sauditas no Bahrein para reprimir manifestantes é aceita como um fato normal.







-OBJETIVO DA FORMAÇÃO POLÍTICA

por: professor Eliziário Andrade


                            Objetivo da formação política
 Realizar uma  práxis militante transformadora

        A visão de mundo da APS e sua forma de organização têm por base as referências teóricas de Marx, Engels, Gramsci, Lênin e outros pensadores revolucionários. Essas referências, no entanto, não são dogmas inquestionáveis, conhecimentos auto-reveladores, nem manuais, sobretudo no que se refere às formas de luta e de organização, que devem subordinar-se à política e às condições reais em que se dá a luta de classes, em cada momento histórico, em cada país e em cada contexto. A teoria revolucionária, portanto, não é cópia mecânica e doutrinária de qualquer modelo transposto para nosso país e realidade. Em verdade, Marx, tal como Lênin e Gramsci nunca generalizaram experiências locais, limitadas no espaço e no tempo, ao contrário, deram relevância às condições particulares e históricas em que a luta de classes e revolucionária se desenvolvem.

     Para nossa compreensão do materialismo histórico dialético tem – como método e teoria – a atualidade da revolução socialista da classe despossuída dos meios de produção como premissa. Neste sentido, a revolução constitui o núcleo da doutrina marxista, como fundamento objetivo para a transformação efetiva da história e como chave para a sua compreensão enquanto teoria da práxis transformadora, visando à ruptura radical com o capital e a emancipação dos trabalhadores da lógica que explora, oprime, aliena e nega a condição humana de se desenvolver plenamente.

 E mesmo na atualidade, como bem assinala Florestan Fernandes,

 “(...) a necessidade da revolução contra o capital nem desapareceu para sempre, graças às ‘reformas capitalistas do capitalismo’, nem se atenuou ou foi vergada pelo nosso sistema de poder mundial do capitalismo. Essa necessidade se mantém tão viva e tão forte que a contra-revolução em escala mundial não logra atingir mais do que seus fins superficiais, ainda que isso seja bem visível nas nações capitalistas de periferia. O que importa: a ‘verdadeira revolução’ cresce juntamente com a modernização e a internacionalização do capital: a contra-revolução ativa ou reativa o seu contrário, o que faz com que hoje o marxismo seja tão verdadeiro e ameaçador na esfera da práxis, quanto na teoria” (Florestan, F. “Nós e o marxismo”. In: Cadernos Ensaio 1, S. Paulo: Ed. Ensaio, 1987).

  Entre a esfera da práxis e da teoria, há uma relação dialética que nos permite compreender que só no plano prático, é possível demonstrar um conhecimento verdadeiro sobre os problemas que a realidade nos impõe. Por isso o militante em sua formação deve atentar para o que Marx  adverte sobre a dimensão verdadeira ou falsa de um pensamento, de uma teoria ou reflexão sobre a realidade e os fatos.                                      

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           
“O problema de se ao pensamento humano corresponde uma verdade objetiva não é um problema da teoria, e sim um problema prático. É na prática que o homem tem que demonstrar a verdade, isto é a realidade, e a força, o caráter terreno de seu pensamento. O debate sobre a realidade ou a irrealidade de um pensamento isolado da prática é um problema puramente escolástico” (K. Marx. II Tese sobre Feuerbach. Obras Escolhidas. Vol.3, Rio de Janeiro: Ed. Vitória, 1963).
                            


        Entende-se que a teoria descolada da atividade prática e sensível do homem enquanto um ser social, da materialidade da sua vida e da sua cultura, não pode nos levar a nenhum conhecimento ou elucidação da essência da “coisa em si”, mas apenas há uma abstração alta referenciada na razão, em sua lógica formal e interna ou na subjetividade interior. Por esse motivo, Marx esclarece que “A coincidência da modificação das circunstâncias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora” (Ibidem, tese III).
  
     É preciso, todavia, compreender o critério da práxis como elemento fundante do pensamento de Marx, não como sinônimo de hiperativismo, antintelectualismo. A sua intenção quando apresenta a famosa tese XI sobre Feuerbach, “Até agora os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo; trata-se agora é de transformá-lo”, é dizer de forma profunda que a transformação do mundo é a condição de uma interpretação correta e objetiva e esta perspectiva implica num ato político, na ação, e não meramente numa solução “teórica”.

     Aqui, o que Marx procura mostrar é que – independente da nossa vontade - sempre há práxis (na maior parte das vezes inconsciente) no movimento da própria realidade e história. O pensamento hegemônico e a ideologia dominante, respaldados pela fetiche da imediaticidade da vida e universalidade empírica, tendem a ocultar essa unidade profunda entre teoria e prática; busca separá-las para legitimar o universo teórico de “pura interpretação” da realidade. Mas, como o próprio Marx, enfatiza, não há leitura ingênua, compreensão pura ou neutra. Toda interpretação do mundo, toda forma de conhecimento do real está inevitavelmente situada pelo posicionamento de classes, bem como pela perspectiva político-ideológica, os interesses materiais, os condicionamentos culturais ou a subjetividade – consciente ou não – do intérprete do real que não é um ser isolado, encerrado em si mesmo, mas situa-se numa condição histórica, social, de classe e cultural.

 Portanto, ao negar essa unidade dialética entre teoria e prática, entre o pensamento e a materialidade da vida real, a ideologia dominante nos impõe um conhecimento pseudoconcreto (fragmentado, aparente, desraizado, amparado apenas na dimensão empírica imediata), ocultando e desconstruindo as relações complexas da totalidade da formação sócio-econômica, jurídico-político e cultural para manter um conhecimento que é propriamente um ato de dissimulação e fuga da natureza determinativa do real, isto é, da “coisa em si” que produziu e continua – em seu movimento - gerando a existência do real. Isto porque, a burguesia enquanto sujeito histórico dominante que encarna os objetivos e a lógica que rege o capital – não pode conhecer e admitir a existência da “coisa em si”, de sua essência, a de que o mundo real é resultado de um processo de produção fundado na expropriação do trabalho (fonte geradora da riqueza) e de sua alienação. Algo que, no mínimo, abriria a possibilidade de questionamento e deslegitimação da sua própria “particularidade” histórica que a burguesia e seus aliados preferem crer que é “universal”, eterna e natural.

 Por essa razão, a APS compreende que a formação política do militante, torna-se uma necessidade cada vez mais premente no seio da luta de classes, no processo de organização do proletariado, no estudo teórico do marxismo, da realidade brasileira e mundial e na perspectiva da construção da sociedade socialista, rumo ao comunismo. O que afasta de qualquer noção elitista, diletante de formação política do militante, deve ser visto, na visão de Gramsci, como um “intelectual orgânico”, no sentido de estudar, ser organizado, organizar as classes trabalhadoras e possuir um estreito vinculo com os objetivos táticos e estratégicos das classes trabalhadoras.

A APS é um meio, um instrumento a serviço da ação revolucionária e do projeto político de construção do socialismo em nosso país. Mas, para atingir esse objetivo, o militante precisa contribuir com o estudo teórico do marxismo e aprofundar o conhecimento sobre a realidade na qual intervém de forma coletiva e organizada. O que diferencia o militante da APS de um mero grupo de ativistas do movimento, que atua na realidade estimulado apenas por sua intuição, emoção e desejos imediatos, pela impulsão ou explosão dos movimentos. É muito mais que isso, consiste em se apropriar do instrumental teórico necessário à interpretação cada vez mais complexa da realidade contemporânea, capaz de orientar e conduzir sua ação sistematizada e calculada a partir da concepção tática e estratégica da nossa organização política. Trata-se de uma práxis reflexiva que interage com o conhecimento do espontâneo no seio da ação das massas e, por conseguinte, se torna verdadeiramente revolucionária. Tal é o sentido dessa formulação de Lênin: “Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário”. É o que chamamos de práxis transformadora, criativa que não superestima o elemento espontâneo nem o elemento reflexivo isoladamente, pois, no primeiro caso, teríamos o aviltamento do papel da teoria na prática revolucionária e, no segundo, o desconhecimento dos elementos espontâneos que surgem no início ou durante o processo prático revolucionário.

       A obra de Marx, no que diz respeito à transformação revolucionária da sociedade, tem por base uma justa relação dialética entre ambas as dimensões: consciência das condições objetivas da realidade e do desenvolvimento subjetivo, espontâneo do sujeito social em sua atividade política. Mas, não se passa diretamente de uma práxis espontânea a uma práxis transformadora, criativa, mesmo considerando a interação entre ambas as dimensões e a existência de vislumbres de consciência na primeira situação. Quer reportemos ao militante ou a classe trabalhadora é necessário apropriar-se de uma consciência e ideologia transformadora, contra hegemônica, socialista e revolucionária durante a atividade política e os objetivos definidos, no terreno da conflitividade social e econômica da luta de classes.




 Dessa maneira, a formação política DO MILITANTE da APS, é uma preparação para a luta revolucionária, uma escola onde se disputam – no cenário da cultura dominante – a consciência e ação para um projeto socialista de transformação da sociedade para além do capital, onde se possa abrir caminho para a emancipação completa do trabalho e do homem dos ditames das leis que regem a reprodução material da sociedade capitalista. Por isso, formamos militantes, sobretudo, anticapitalistas, socialistas, comunistas e solidários, não para constituir  uma seita sectária, fechada, doutrinarista, autoritária – mas sim, para realizar objetivos de forma aberta, reflexiva e transformadora; tarefas que colocarão em movimento os nossos sonhos. Sonhos possíveis que, parafraseando Lênin, podem ser escrupulosamente construídos e realizados a partir da doação voluntária e compromisso com os seus princípios e ideário.

-AMÉRICA LATINA PARA ALÉM DOS DADOS

Brasil de fato, São paulo,21 julho de 2011.

América Latina para além dos dados

21/07/2011
por: Roberta Traspadini
Segundo a Cepal, somos 594 milhões de latinoamericanos. Em nosso fértil território com profundas possibilidades de inclusão e de pertença, vivem 183 milhões de pobres e 74 milhões de indigentes, fruto do histórico modo de produção capitalista.
Na divisão por idade somos compostos por uma maioria jovem: 27,3% (até 14 anos); 33,6% (15 a 34 anos), 19% (35 a 49), 11,8% (50 a 64 anos), e 8,3% com 65 anos para cima.
Temos uma população economicamente ativa (PEA) de quase 277 milhões, dos quais 164 milhões são homens e 113 são mulheres.
Nos últimos anos, aumentou no continente o emprego formal (51%), frente à queda no índice de desemprego (em 2000 era de 10,4%, em 2010 caiu para 7,6%).
Com uma população urbana de 79,3%, uma taxa de analfabetismo de 8,3% na população acima de 15 anos, e uma taxa de fecundidade de 2,3 filhos por casa ao longo dos anos 2000, a América Latina, vai traçando hoje o que será a ordem do dia da produção de vida de amanhã.
1. Questão social e educação
Na questão social da educação, dois dados merecem atenção.
1) os 20% mais ricos se apropriam 19,3 vezes a mais da riqueza e da renda no continente, em comparação aos 20% mais pobres.
2) dos jovens entre 25 a 29 anos, apenas 8,3% concluíram o terceiro grau. Na comparação entre jovens ricos e pobres, apenas um jovem pobre consegue concluir o 3º grau, em comparação a 27 jovens de melhor poder aquisitivo que terminam.
A situação das jovens mulheres latinoamericanas de 15 a 29 anos, é ainda mais complexa. Enquanto 80% das jovens com maior renda participam do mercado de trabalho formal no continente, menos de 50% das jovens pobres conseguem estabelecer vínculos formais.
O gasto público com educação é de 5% do PIB e o total de estudantes públicos na região é de 91 milhões no ensino fundamental e médio, em contraposição a 19 milhões em escolas particulares.
2. O que os dados não mostram
Os resultados do período neoliberal são catastróficos. A aparente melhoria de vida encobre a essência do endividamento e da nova forma do capital apostar nos seus ganhos sem fronteiras, utilizando para isto as políticas públicas para revigorar seus ganhos.
A corrida do grande capital tem gerado uma forma de fazer política cujo conteúdo histórico segue o mesmo: a apropriação privada da riqueza e da renda advinda da exploração do trabalho em solo latinoamericano.
Por um lado, os trabalhadores são induzidos a uma nova lógica de consumo e, para produzirem sua sobrevivência com base numa gama de necessidades técnico-científicas oriundas da produção dos países centrais, entram no caminho sem volta do endividamento pessoal.
Por outro lado, o capital industrial dá passo atrás e retoma a histórica participação latina de produtora de bens primários para abastecer os países centrais.
Os latinoamericanos transformam-se assim, desde a infância, em consumidores dos atuais bens vendidos como de primeira necessidade – celulares, computadores, vários mps, entre outros. Para isto, precisam ser primeiro consumidores de crédito para depois adquirir tais bens.
O endividamento familiar torna-se peça chave da inclusão nessa sociedade na qual os latinos trabalham, mas que não os permite consumir o básico necessário com o salário que ganham.
A educação precária torna-se regra da operação do capital no continente, tanto no que tange à remuneração e contratação dos professores, quanto ao conteúdo das disciplinas formais lecionadas.
A educação formal para o consumo e não necessariamente o trabalho formal, empobrece a compreensão de totalidade da jovem futura classe trabalhadora e reforça o palco fértil para a consolidação da alienação como requisito básico de venda de bens importantes mas não necessariamente vitais.
Nessa linha, o desenvolvimento como sinônimo de consumo, modernidade e tecnologia ganha mais força do que nunca e entra na mentalidade da classe que vive do trabalho como algo natural em vez de construído historicamente.
O cenário latinoamericano necessita de políticas públicas de Estado que promovam mudanças substantivas no que diz respeito à tomada do poder e da orientação sobre a prioridade do pacto social no continente, com primazia para a centralidade do trabalho e da educação.
Além disto, requer que a política de integração crie condições para que a prioridade dos sujeitos coloque limites à soberania dos mercados liderados pelo capital (inter)nacional. A integração dos povos necessita modificar o histórico caminho no continente em que desenvolvimento e dependência aparecem como constitutivos do sentido do trabalho alienado.
Necessitamos com urgência de uma política de Estado de transição que coloque na trilha as modificações estruturais que reorientem o sentido do trabalho, da socialização da produção, da riqueza e da renda no território. Caso contrário, a melhoria dos dados permanecerá como sinônimo de uma conta maior a ser paga pelo trabalho.
Roberta Traspadini é economista, educadora popular, integrante da consulta popular/ES.

-O ESTADO, O PODER E O SOCIALISMO: NICOS POULANTZAS E O TEMPO FORA DO EIXO.



Por:Jeorge Cardozo*

No O 18 Brumário de Luís Bonaparte Marx lembra; de modo bastante direto, o empenho de Hegel em predizer um caráter insistente da história, o que significa dizer que por alguma razão, pode-se afirmar que a história se repete. Não se trata de pressuposição nova na história da filosofia, cada filósofo a sua maneira, Platão já havia dito algo parecido e Aristóteles não parecia discordar muito da idéia, desde que em suas bases. Contudo, o humor para afirmar essa possibilidade cíclica da história é uma inovação da Marx. O fato é que para ele a história se repete. Não como um velho senhor que sempre conta o mesmíssimo “causo” para seu jovem neto, mas a maneira de um velho senhor que, ao contar os mesmos “causos” para seu jovem neto, cria alterações fundamentais em suas narrativas, para testar a memória do neto e sua perspicácia.

A história brinca com os homens, contudo não há ninguém para brincar, nem do lado da história, que não é animada por nenhum princípio ordenador, nem do lado dos homens, pois não acham graça nas estripulias da história. Mas a velha ironia de Marx permite que dê a Hegel, ao comentar sua filosofia da história, um pequeno complemento. Afirma que a história realmente possui um caráter repetitivo. Mas na primeira vez se repete como tragédia e a na segunda se repete como farsa. Em um primeiro momento chega muito cedo e no segundo já muito tarde. A revolução chega quando os homens não estão preparados ou quando não mais precisam dela. Depois Marx comenta que os homens fazem à história, mas não a fazem como querem, Adam Ferguson diz bastante melhor, a história é fruto da ação dos homens, mas não de seu desígnio. Para unir todos os componentes destes primeiros parágrafos em uma única expressão: digamos que os homens fazem a história, pois não poderiam deixar de fazê-la, mas não sabem para onde vão, nem possuem como sabê-lo, mas não podem deixar de ir, neste ato atrapalhado podem chegar de dois modos, ou muito cedo, ou muito tarde; e o desencontro ontológico de nossa ação no mundo, deverá ser repetido, indefinidas vezes, tal como o banqueteamento dos abutres com as tripas de Prometeu.

Derrida nunca foi um grande leitor de Marx, mas possui um livro com o nome Espectros de Marx. Aproveitando suas afinidades para com Shakespeare, deixa de lado a leitura de Marx para ler Shakespeare de uma vez, ou melhor, lê Marx pelos olhos de uma leitura de Shakespeare, mais ou menos como a recomendação de Harold Bloom de que o melhor Freud é a aquele lido pelos olhos do leitor de Shakespeare. Sua leitura de Shakespeare faz com que encontre uma frase que descreve o espírito sempre intempestivo de Marx. The time is out of joint. Ou ainda é muito cedo ou já é muito tarde. O tempo está sempre fora de seu eixo. O tempo é fora do eixo.

Em O Estado, o poder e o socialismo Nicos Poulantzas inaugura seu argumento invocando uma relação de fato que o incita a sua atividade teórica, qual seja, “à situação política da Europa”. Com efeito, por essa expressão devemos entender que a atividade teórica de Poulantzas responde às demasiadas críticas de que o marxismo não seria capaz de lidar com o fracasso político do leste do velho continente. Assim, reponde-se à acusação de que o marxismo não é um modelo teórico aceitável, através de um novo modelo teórico marxista. A motivação de Poulantzas é a história recente que tem diante de si, história essa que acusa o marxismo de insuficiência teórica, resposta: o marxismo sim é um modelo teórico aceitável, desde que percebamos que a teoria possui desvios não acompanháveis pela prática. Ao desvincular a relação entre teoria e prática, motivada por uma razão histórica, funda uma nova maneira de ver antigos fenômenos, por uma nova feição teórica do marxismo.

Impossível não pesarmos que “o tempo está fora dos eixos”, pois as narrativas teóricas do marxismo sempre necessitaram de um mundo cujas relações econômicas permitam certo conflitos de classes, não que haja relações econômicas sem conflito, mas nem toda conflitiva permite a reação, mas por algum motivo certa linha narrativa do mundo da vida passou a identificar o discurso marxista como a imagem teórica de uma determinada decadência.

O tempo está fora dos eixos – pois o discurso poderia ser recolocado sobre novas bases – mas por algum motivo a recuperação desta linha discursiva cansa aos ouvidos, pois se sente que o tempo passou. Poulantzas é genial – contudo é intempestivo – fora do tempo como apenas os grandes pensadores conseguem ser – suas filiações o lançam para fora do tempo, talvez uma nova teoria, talvez novos conceitos, mas Poulantzas opta pelos antigos, não qualquer antigo, mas o mesmo antigo, entretanto, radicalmente novo. Intempestivo porque insiste em tratar dos velhos grandes temas da política, sob a veste do argumento de que não há sobre o que falar, senão dos grandes temas da política. O Estado é um deles, relações de exploração, outro, ideologia, mais um, e sim, o velho glossário do pensamento marxista volta às nossas cordas vocais, contudo ainda que possamos indicar indiscutíveis homofonias, trata-se aqui de um novo conceito. Novos papéis para velhos temas da política. Vejamos um trecho que bem indica a idéia que enunciamos, depois comentemos:

 “... o Estado apresenta uma ossatura material própria que não pode de maneira alguma ser reduzida à simples dominação política. O aparelho de Estado, essa coisa de especial e por conseqüência temível, não se esgota no poder do Estado. Mas a dominação política está ela própria inscrita na materialidade institucional do Estado. Se o Estado não é integralmente produzido pelas classes dominantes, não o é também por elas monopolizado: o poder do Estado (o da burguesia no caso do Estado capitalista) está inscrito nesta materialidade. Nem todas as ações do Estado se reduzem à dominação política, mas nem por isso são constitutivamente menos marcadas”.

O que nos leva a crer que o Estado, o poder e a relação de dominação exercida pela classe dominante através do Estado continuam sob uma mesma estrutura conceitual, contudo o teórico deve atentar que o Estado possui formação heterogênea, de modo que para além da dominação, existe o exercício da dominação e a recepção da dominação pelos dominados – tal dialética é importante, inclusive, para a delimitação dos elementos constitutivos do Estado. A dominação política não é a única dominação exercida pelo Estado, talvez pudéssemos dizer que ser dominado pela política não é a única forma de exercício de poder ou de limitação de liberdade através do Estado, de modo que dominar pela política, igualmente, constitui um modo de ser dominado pela política. Não é possível abandonar o processo de dominação impunemente. Poulantzas indica percebê-lo, mas não sem uma boa dose de moralidade ao estilo marxista. Com efeito, devemos perceber que utilizamos o vocábulo moralidade e não o preconceituoso moralismo. Em certa acepção nossa afirmativa é bastante redundante, mas o faz de maneira necessária, pois entendemos que não existe atitude teórica que não envolva uma percepção moral. Não importando a natureza filosófica do argumento, se falamos sobre relações intersubjetivas, falamos, também, de moralidade. Ainda que não haja uma teoria moral marxista, devemos apontar que existem elementos que nos levam a perceber uma estrutura discursiva própria ao modo de elaborar teorias do marxismo, como por exemplo, a descrição da exploração como sendo negativa (não que discordemos desse fato). Contudo o marxismo permite um paradoxo interessante: é possível utilizar as categorias filosóficas do marxismo, possuindo como pano de fundo, outra teoria moral que não o marxismo, isso é possível porque o marxismo realiza exaustiva descrição do capitalismo, mas podemos ler o capitalismo sem tê-lo como essencialmente pernicioso para a natureza humana. Poulantzas assim não faz: seu comprometimento com o marxismo envolve adesão aos princípios morais do marxismo. Mais uma vez insiste na boa intempestividade.

A intempestividade adotada por Poulantzas talvez não seja a melhor, mas é ortodoxamente marxista, gostaríamos de indicar que a apropriação do marxismo, enquanto teoria econômica que compreende uma parcela do capitalismo, em outras bases morais, talvez evidenciasse um interessante (re) nascimento de antigos instrumentos conceituais. Assim, queremos salientar que ainda resta em Poulantzas apropriação excessivamente moral (no sentido da moral marxista) para avaliar os termos econômicos do capitalismo.

Poulantzas percebe que muitos indicam que o marxismo possui excelentes categorias de análise do capitalismo, mas que não possui uma acertada teoria geral do Estado. Contudo, não podemos deixar de afirmar que a teoria econômica marxista, apesar de irrefutável em muitos pontos, possui conteúdo cruelmente histórico, de modo que, se atentarmos bem, inclusive os axiomas mais assertivos são relativizados em função das novas instituições políticas. Inclusive os elementos mais reconhecidos do marxismo deverão sofrer se desejarem a permanência enquanto conceito, modificações estruturais. No que diz respeito a uma teoria geral do Estado é absolutamente conhecido que o marxismo não dispõe de uma, Poulantzas observa que o marxismo não possui uma teoria geral do Estado porque não pode possuir uma teoria geral das formações do Estado. Seria uma contradição para Poulantzas à existência de uma teoria geral do Estado em um procedimento teórico que se pretende revelador das relações materiais envolvidas nos processos de produção e os modos de influência desses na luta de classes. Vejamos como defende sua posição:

 “... não existe teoria geral do Estado, pois não poderia haver. Nesse ponto, é preciso ser rígido com as críticas, de boa ou de má fé, que recriminam as pretensas carências do marxismo ao nível de uma teoria geral do político e do poder. Um dos méritos do marxismo é justamente o de ter afastado, neste caso como em outros, os grandes devaneios metafísicos da filosofia política, as vagas e nebulosas teorizações gerais e abstratas que pretendem revelar os grandes segredos da História, do Político, do Estado e do Poder".

O argumento resta bastante claro, contudo ao nos confrontarmos com algumas teses apresentadas pelo autor somos constrangidos com algumas aparentes contradições. Parece evidente que uma teoria que se pretende opositora dos arroubos metafísicos da tradição possuirá desconforto com a enunciação da possibilidade de uma teoria geral, mas quando enunciamos que a separação entre teoria e prática é um ponto forte de nossa capacidade formuladora, parece que cometemos o mesmo engano que objetivávamos evitar. Não se trata de nenhum paradoxo performativo, mas de uma contradição, dessa vez podemos dizer que não tão somente aparente, porque, independentemente do que motive a assertiva, a separação entre teoria e prática é o que possibilita a estrutura lógica dos argumentos hipotéticos. Para Poulantzas, parte da conveniência do marxismo advém do fato de que esse não é hipotético, mas profundamente responsivo aos problemas da “história das lutas de classe dentro do capitalismo”.

Não cabe aqui discutir o grau de responsabilidade do marxismo frente aos desastres do stalinismo e dos regimes do leste europeu, primeiro porque não é clara a possibilidade de se aplicar um conceito como o de responsabilidade a fenômenos que não sejam perfeitamente previsíveis, como a ação de homens em determinadas condições, segundo porque ainda que pudéssemos aplicar a noção de responsabilidade em situações não tão previsíveis, não estaria certo que coletividades pudessem ser imputadas e terceiro porque jamais poderíamos imputar o conceito de responsabilidade ao filósofo, pois sua influência pouco ou nada depende de sua atividade (ainda para casos muitos extremos como o de um Sartre).

Em pequeno axioma pensamos ser correto dizer que a influência dos filósofos, ou a influência das idéias na vida prática é sempre muito menor do que pretende o filósofo e sempre muito maior do que pretende o historiador. Para a intempestividade: muito menor do que esperamos e muito maior do que imaginamos. Contudo, os malabarismos que Poulantzas utiliza para absolver o marxismo são completamente absurdos, assim como suas analogias. É uma defesa verdadeiramente ruim de o marxismo afirmar que a ligação do marxismo ao regime de Stalin e as desventuras do leste é comparável à ligação entre Rousseau e os totalitarismos ou entre Jesus e as ditaduras ibéricas. Todas as comparações são absurdas, ainda que a ligação entre Stalin e as idéias de Marx – principalmente se pensarmos no Manifesto do Partido Comunista – seja muito mais factual do que entre Jesus e Franco.
Se “[s]empre existe uma distância estrutural entre teoria e a prática, entre teoria e o real” essa distância não pode ser invocada para quebrar as possíveis responsabilizações e não ser invocada para justificar a ausência de uma teoria geral do Estado. O argumento da impossibilidade de uma teoria geral é bastante coerente, contudo essa linha narrativa estabelece vinculação necessária entre teoria e prática. Não podemos jogar fora o fato de que o marxismo é uma estrutura teórica eminentemente prática. Com intensidade tal que a separação entre teoria e práxis chega a não fazer sentido. De modo que em largas linhas concordamos com as conclusões alcançadas por Poulantzas, mas não concordamos com a escada que usou para subir nesse telhado.

Estado e ideologia ou crenças?  
A implicância de Poulantzas com aqueles que se vale de Marx de modo não ortodoxo é bastante significativa, cremos que poderia dialogar com mais generosidade se levasse um pouco mais a sério os seus aparentes oponentes enquanto intérpretes do marxismo. Os principais “detratores” do “verdadeiro” marxismo para Poulantzas são Foucault e Deleuze. Dialogar a partir de Foucault e Deleuze contra Poulantzas seria uma covardia, porque contamos com uma visão geral da obra dos autores malditos, com a qual Poulantzas não podia contar. Assim, ao invés de refutar Poulantzas através de um místico holismo, buscaremos explicitar sua possível precipitação no julgamento desses autores. Para então examinarmos o papel da ideologia em seu pensamento e confrontarmos o conceito de ideologia com a noção de crença.

Todos sabemos que o Estado é constitutivo das relações econômicas, tanto na sua ação, quanto na sua abstenção, da mesma forma sabemos que as formas contemporâneas do capitalismo agem contra a singularidade, contra a individualidade, contra a inventividade e a favor da individualização, da generalização e da serialização. Poulantzas tanto concorda com essas sentenças que as confirma. Vejamos um trecho de Poulantzas para depois comentarmos no contexto deste parágrafo:

 “Não existem classes sociais anteriores à sua contestação, isto é, às suas lutas. As classes sociais não se colocam “em si” nas relações de produção para entrar na luta (classes “para si”) somente depois ou noutro lugar. Situar o Estado em sua ligação com as relações de produção é delinear os contornos primeiros de sua presença na luta de classes”.

O que nos leva a perceber que a noção de classe enquanto conceito que pode ser utilizado como agente de reação contra um determinado estado de coisas demanda, antes de tudo, reação a serialização, à generalização e à individualização. Uma classe é um posto de reação a certas disposições do capitalismo, tão somente quando consegue alguma ação criativa sobre si. Alguma inventividade sobre sua condição. Alguma singularidade sobre sua função. A exposição das relações de produção serve quando aponta para o “marco zero” de onde uma classe deve ser inventada. O capitalismo possui classes ainda que não haja singularidades nessas, mas conta com classes inertes, corpos passivos com relação aos quais pode imprimir as suas marcas. A classe, no sentido marxista, rejeita as marcas externas para fundar suas próprias. Daí a noção de que o marxismo não possui dentro nem fora, mas somente relações exteriores, pois não admite que de fora seja interiorizada uma classe, para a qual regras são ditadas e papéis são estabelecidos. Silenciosamente Poulantzas se aproxima de Foucault e Deleuze. O ato criativo de composição de uma classe é traduzido enquanto condição de possibilidade para a ação política na instituição ou contra a instituição.

Poulantzas é bastante cético quanto à aceitação de uma linguagem tradicionalmente marxista, sem que essa sofra apropriações teóricas mais próximas aos problemas que deseja resolver, contudo, quando critica Deleuze parece sofrer de um preconceito terminológico, não o agrada a pluralidade terminológica, bastar dizer que Poulantzas, inclusive pelo fato de ser marxista, é um cético ruim. A perturbação, ou a taraché para os céticos, do marxismo o leva a reinventar parcelas interessantes da teoria marxista, mas não o levam reinventar a própria teoria, o pensar dentro das arestas conceituais do marxismo faz mal a Poulantzas, de modo que não aceita o padrão dos velhos marxistas, mas não consegue estar confortável em novos mundos.

Um confronto entre dois mundos pode ser encontrado no embate entre as noções de ideologia e de crença. A noção de ideologia é bastante identificada com a história mesma do marxismo, de modo que dependendo do conceito de ideologia, podemos afirmar diante de qual marxismo estamos. O marxismo de Poulantzas também conta com o conceito de ideologia, mas ao invés de estar centrado sobre os tradicionais pólos: encobrimento da realidade e dominação; encontra-se também articulado com a possibilidade dos regimes ideológicos não serem absolutamente homogêneos. A concessão, feita por Poulantzas, a uma releitura do conceito de ideologia passa pela admissão de vias transversas de influência, como quem diz: - Assim como o Estado emana ideologia para a contaminação das classes, também as classes emanam ideologia para a formação do Estado, ou seja, uma via dupla. A crença por outro lado é bastante autônoma da figura do Estado. Pelo conceito de crença entendemos a relação última de causalidade da natureza humana com o espaço e com o tempo, de modo que pelo regime da experiência é dado aos homens esperar alguma coisa do mundo da vida onde estão inseridos. A crença não possui o “conteúdo paranóico” da ideologia (entendemos por conteúdo paranóico o fato de que à ideologia, como encobridora da realidade, sempre é dado corresponder, epistemologicamente, atitude mínima de desvelamento dos processos encobridores), pois entende pela naturalidade das explicações conceituais da realidade. De modo que não existe regime explicativo imposto, mas regimes explicativos aceitados, não segundo algum voluntarismo, mas no processo social mesmo. Assim, o Estado, segundo o conceito de crença, não utiliza a crença para dominar, mas é ele mesmo uma crença. Crença essa que possui regimes próprios para a composição do poder. Por certo que a noção de crença está muito mais próxima de Foucault (episteme) e de Deleuze (aparelhos de captura) do que de Poulantzas. Contudo quando diz que a ideologia “... produz discurso segmentar e fragmentado segundo as diretrizes da estratégia do poder ”, aproxima-se enormemente de uma filosofia das crenças. A noção de estratégia difusa do poder não pode ser interpretada como encobridora, mas como reveladora de um estado de coisas. A política utiliza crenças para a convalidação do exercício do poder. Cabe, portanto, indagar o que é o poder?

Poulantzas entende o poder como a ação de dominação do Estado com relação a uma classe, de modo que, ainda que o Estado sofra muitas influências para a composição de sua ideologia, predominantemente evidencia o exercício da reprodução dos poderes de classe nas relações de produção.

Para Poulantzas, e somente essa idéia é suficiente para colocá-lo no panteão dos grandes pensadores, o poder é exercido sob a forma de violência sobre o corpo. Meios efetivos de manipulação e devoração de corpos; mecanismos de mutilação, de normalização e de ordenação de corpos; agências capazes de fazer morrer, de fazer viver e de deixar morrer são os elementos pelos quais o poder é exercido. Poder possui estreita relação com a força, mas essa possui dimensões das mais variadas, como o terror e o trauma, de maneira que a mera persuasão física é somente uma das peças desse intrincado fenômeno. O exercício do poder sobre o corpo extrapola o regime da biologia e adentra no terreno das instituições, de uma tal forma que Poulantzas chega a dizer que um corpo não é uma unidade personalíssima, mas uma instituição política.

Por certo que Poulantzas localiza o exercício do poder no Estado. As ideologias são modos da ação sobre o corpo. O silogismo final é composto com a união entre Estado e ideologia agindo sobre o corpo, instituição política de um intrincado jogo de aparelhos de dominação. Muitas críticas podem ser feitas a essa precipitada união de idéias empreendida por Poulantzas, mas se deslocarmos o poder do Estado para a imanência da política, enquanto regime de composição e interação de crenças; teremos uma imagem completamente nova da política, uma imagem que não é mais inteiramente marxista, mas que parte de Marx. Para isso temos que nos comprometer com as teses, de Foucault e Deleuze, segundo as quais o poder nunca é centralizado, pois o poder não possui um dentro e um fora, não havendo aqueles que usam o poder e aqueles que sofrem a ação do poder, mas apenas o poder.

A produção de cenários onde a figura do poder é relevante deve ser compreendida sempre dehors. Ao mesmo tempo em que o poder é mobilizado no Estado, a possibilidade do poder já foi permitida em outro momento da vida social. A sociedade exerce poder quando permite o poder, e mesmo em sua subjugação. Paradoxalmente (porque contraria a essência de sua tese) Poulantzas recorda que o poder exercido por Hitler não seria possível sem o poder exercido pelos alemães, assim como o anti-semitismo de Hitler não realizou sozinho o extermínio; do ponto de vista da moralidade existem vítimas e algozes, mas no ponto de vista do poder existe um contínuo exercício de influências. Não existem desinteressados passivos no jogo do poder. A própria servidão é uma ação de passividade. Não é a toa que o Discurso sobre a servidão voluntária de La Boétie seja invocado constantemente pela tradição em filosofia política inaugurada por Pierre Clastres (a afinidade de Deleuze com Clastres é conhecida).

Poulantzas é melhor marxista do que Foucault e Deleuze. Mas o marxismo de Poulantzas não é a única teoria marxista sobre o poder, como não é o único regime teórico sobre as ideologias, da mesma forma como a ideologia não é o único conceito que nos ajuda a compreender o poder. Uma leitura sistemática e complementar entre Poulantzas, Foucault e Deleuze tem muito mais a acrescentar aos debates sobre o marxismo do que parece crer Poulantzas. As análises de Foucault e Deleuze sobre o marxismo acabam por subvertê-lo um pouco, no sentido de que vai contra o “verdadeiro marxismo”, mas ao incluir categorias diminutas como: a definição do poder como sendo composto por microvilosidades de influências, torna sem sentido a pergunta: - Está fora ou dentro do Estado? Não porque responde como Hegel que tudo está dentro do Estado, mas porque afirma que o Estado, como todos os poderes, está diminutamente localizado, de modo que está sempre “fora” das categorias.

Referência:

Poulantzas, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. Tradução Rita Lima. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1981.