sábado, 7 de dezembro de 2013

-CONSIDERAÇÕES A CERCA DA TRAGÉDIA DE REALENGO, RIO DE JANEIRO, BRASIL, 2011.



CONSIDERAÇÕES A CERCA DA TRAGÉDIA DE REALENGO, RIO DE JANEIRO, BRASIL, 2011.

 Por: Jeorge Luiz Cardozo*

Ao nos propormos a refletir sobre a tragédia ocorrida em Realengo, à questão que, de imediato, nos vem à mente é se essa tragédia ter-se-ia, de fato, feito sentir no seio da degradação da moral capitalista ou fato isolado como nos fazem pensar a mídia burguesa?

Duas razões, a nosso ver, justificam tal questionamento. Por um lado, o êxodo rural fruta de uma ótica estreita e corporativa do capital que busca, de forma infrutífera, mão de obra barata e da apropriação feita pelo agro-negócio das terras dos pequenos produtores rurais. Destarte, a inconsistência dos valores capitalistas decorre, em grande parte, desse mesmo isolamento entre ricos e pobres, pois, a riqueza se constitui dada à própria natureza do seu objeto, que é o lucro e, por conseqüente, o incentivo ao consumismo desenfreado que, tem levado jovens de todas as classes sociais, ao escravismo do consumo a qualquer custo.

Portanto, como entender a violência contemporânea? Como entender a legitimação da violência em nossa sociedade e no mundo?

No Brasil, mais de 50 mil pessoas são assassinadas por ano. Crimes que desafiam a compreensão humana surgem em cascatas, diante dos olhos de todos, diuturnamente.

É preciso que compreendesse que a violência é uma manifestação da luta pelo poder, melhor dizendo, a violência é, essencialmente, política. A frase de C. Wright Mills “Toda política é uma luta pelo poder; a reforma básica do poder é a violência” corrobora para o enfoque deste fenômeno desestruturante da sociedade.

A questão da violência está diretamente relacionada ao sistema organizacional político e remete às diferenças socioeconômicas – as lutas de classes. Para Karl Marx, o Estado se constitui enquanto representante legítimo da classe dominante, exercendo o seu poder sobre a classe dominada. Afirma-se que a violência reside no poder. Mas o que é o poder?

Hannah Arendt filosofa política, discute a significação do poder como capacidade de dominação sobre o outro. Max Webber conceitua: “afirmar minha própria vontade contra a resistência”. Ora se o poder é afirmação de vontade sobre o outro; haverá de ter dois vértices: os que mandam e os que obedecem.


“Poder significa toda oportunidade de impor sua própria vontade, no interior de uma relação social, até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”. (Weber, 1971).

Partindo do pressuposto de que toda sociedade está estruturada numa relação de poder; seria a dominação um instinto humano? Segundo Bertrand de Jouvenel “Comandar e obedecer, sem isto não há poder – e, com isto, nenhum outro atributo é necessário para que ele exista...” percebe-se então que o poder é coercitivo. Neste caso, pode-se arrolar como exemplos: a guerra em si, às agressões humanas cuja capacidade de poder resida em equipamento de fogo etc.

Dentro das discussões que se instauram, ao se estudar a Violência, há as de Alexander Passarin d`Entrevés em A noção do Estado. O autor em questão tenta distinguir o poder da força do poder que é exercido. Considera que o poder é uma violência mitigada, cuja virulência depende do grau de legitimação no sistema político. Donde se pode concluir que sendo a força aparada pela lei, ela tende a abandonar o seu caráter arbitrário, o que não implica, necessariamente, no desaparecimento da violência por si só.

Hannah Arendet busca, na tradição greco-romana e na formação do Estado – Nação europeu – soberano que tem em Jean Bodin (França, século XVI) e em Thomas Hobbes (Inglaterra, século XVII) seus mais exponenciais teóricos, os elementos que autorizam semelhantes discussões. Convém ressaltar as denominações usadas pelos greco-romanos para este fato sóciopolítico: monarquia, oligarquia, aristocracia, democracia. Em todas essas palavras estão embutidos conceitos de dominação de um grupo ou indivíduos sobre outro individuo ou grupo.

Marx Webber, em seus estudos sociais cujo ponto de partida foi à sociedade alemã e o processo de industrialização, percebe a presença da burocracia enquanto força de dominação; tal fato leva ao pressuposto que a correlação de forças num sistema burocrático conduz a uma impessoalidade que reside na indefinição de autoria; o poder decisório dilui-se nos trâmites burocráticos. Talvez aí estejam as causas para as ações desesperadas de resistência ou contestação direcionadas para um poder cuja força está no anonimato. Talvez aí resida a perplexidade do homem comum diante de uma máquina estatal gigantesca como a nossa. Qual de nós, seres comuns, não passamos pelo non sense do Senhor Joseph K?

O Senhor Joseph K, personagem do livro ‘O processo’ de Franz Kafka, em suas ações, revela o embate do sujeito em estado de opressão contra situações alienantes da sociedade. Sr. Joseph K. se vê processado sem nunca chegar, a saber, por que, fica perdido em um labirinto de leis e procedimentos enigmáticos.

As questões levantadas pelo texto kafkaniano remetem a reflexões quanto ao esfacelamento do sujeito num mundo opressor que se notabiliza pelo sufocamento da imprevisibilidade humana. Não cabe na narrativa um movimento próprio – um gesto sequer eivado de liberdade, um gesto gratuito, espontâneo e humano.

“Ademais, o perigo da violência, mesmo que esta se movimenta dentro de uma estrutura não-extremista de objetivos a curto prazo, será sempre que os meios poderão dominar os fins. (...) A prática da violência como toda ação, transforma o mundo mais violento”. (Arendet, Hannah, H. Sobre a Violência. RJ, Civilização, 2009).

Interessa, neste momento da discussão, salientar que a obediência às leis corresponde à ressonância que nelas podem ainda existir da vontade que lhes deu origem, caso isso não aconteça, as leis tornam-se arbitrárias para os homens. Donde se conclui que o poder é um ato de consentimento. Quando o poder desvincula-se do consentimento dado pela sociedade, abre-se um espaço para a tirania. Há tirania mesmo quando ela ocorre em nome de uma lei cuja base já esteja deserta.

O poder do governo está subordinado a sua representatividade social, já a força de um governo, entenda-se a violência de seus atos, nem sempre se apóia na representatividade social, porém essencialmente, no seu aparato técnico-militar opressor.

A compreensão das relações de poder que se estabelecem num contexto de Todos contra um é consensual; como também as que se estabelecem num contexto de Um contra todos, neste último caso, pressupõe-se o uso de aparatos coercitivos para oprimir o lado oposto (o outro). Outras questões afloram: o que dizer das ações de grupos dissidentes destituídos de elementos coercitivos técnicos que interferem em processo aceito por uma maioria? A ausência de reação da maioria comporta explicações? Há, de fato, um poder potencial conferido a essas minorias pela imensa maioria observadora? Neste ponto, a violência que hoje assalta a sociedade brasileira e mundial, sob as mais diversas formas, carece de reflexão coerente com as verdadeiras causas.

A política não é o exercício fundado – no quem domina quem, e sim o exercício de um poder consentido mediante leis emanadas da vontade da população. Poder – enquanto detentor de ressonância na sociedade.

“O poder corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto. O poder nunca é propriedade de um individuo; pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido”. (Arendt, H. Sobre a Violência. RJ, Civilização, 2009).

No caso específico da tragédia de Realengo, uma crítica comumente feita é de que, essas enfermidades ocorrem simplesmente por questões psicológicas ou morais, como se estas, por si só, fossem responsáveis por tais acontecimentos. No entanto, estudos feitos por críticos do modo de produção capitalistas como Boron, 2004, Poulantzas, 1978, Santos, 2002, Harvey, 2006, Orefice, 2009, entre outros, que ver na degradação dos valores do modo de produção capitalista, raízes do mal que assola a sociedade atual. Esses teóricos acusam o paradigma burguês capitalista como reflexo direto e, que, de modo geral, os avanços obtidos nos diversos campos pelo capital, não contempla a grande maioria da população subalterna que vive empilhada nas favelas dos grandes e médios centros urbanos, gerando um influxo na divisão dessas conquistas que tem inibido as relações harmoniosas entre os diversos sujeitos, criando um abismo competitivo (luta de classe) entre aqueles abastados que controlam o capital e os marginalizados que, incentivados por uma eficiente superestrutura ideológica de dominação imposta pelo modo de produção capitalista, tem levado em última instância, ao consumismo, que apontam para dimensões do que se poderia chamar de uma “crise nos valores capitalistas” no seio da sociedade.

Destarte, é importante salientarmos a degradação do ambiente escolar, onde as escolas parecem mais uma prisão de ‘Alcatraz’, do que um ambiente de construção de conhecimento e de cidadania. Junto a isso, a falta de investimento no corpo docente que, marginalizado no que diz respeito à valorização dele como sujeito ator do processo de construção do conhecimento e, também, na incompatibilidade entre o seu papel de orientador educacional e o seu soldo que, é uma vergonha globalizada. Ainda, sem se falar, na grande jornada de trabalho que lhe é imposta, de até sessenta horas semanais, tirando-lhe a oportunidade de está se reciclando e fazendo investimento no “capital humano”, pois, lhes faltam tempo e capital para tais envergaduras. Juntam-se a todas essas mazelas, a falta de um programa nacional de educação que busque tirar o paradigma educacional brasileiro do puro e simples uso técnico da educação para o mercado, para um paradigma crítico, cidadão e transformador do sujeito ativo.

É claro e evidentes que não são sós esses os motivos que levam ao acontecimento de tais tragédias, porém, inevitavelmente, é reflexo direto delas.

Com efeito, só nos últimos anos, essa tragédia vem se repetindo principalmente, no grande centro do capital que é os Estados Unidos, berço da degradação dos valores capitalistas que, agora vêm exportando para o resto do mundo. É só ver que dois dias após acontecer à tragédia daqui, acontece outra também no continente Europeu, nos mostrando que as tragédias delineadas pelos degradados valores do modo de produção capitalistas está se globalizando e presente em todo o seguimento da sociedade.

ANÁLISE FINAL.

Que dimensões e que lições são essas que tais acontecimentos tão trágicos nos trazem como reflexão? De que formas podem entender ou tirar lições apropriadas, particularmente em nosso país, tão ávido de religiosidade? Este é o eixo em torno do qual procuramos desenvolver a nossa reflexão que tem ainda um caráter bastante preliminar e despretensioso.

Cremos que tragédias como essa ocorrida em Realengo na capital fluminense, portanto, têm algumas características importantes a se destacarem, visando a essa reflexão.

Em primeiro lugar, uma das características desse tipo de tragédia que já vem ocorrendo em via de regra, não só nos grandes centros do modo de produção capitalista, como também nas chamadas periferias como o caso do Brasil e mais recentemente, na periferia da União Européia. Mostra, na verdade, uma “globalização” das tragédias feitas pela mídia; esta passa, aliás, a ter uma cumplicidade na divulgação das fórmulas utilizadas por esses assassinos até então, impensadas nas periferias do modo de produção capitalista e na degradação da sua moral.

Uma segunda característica é a desmistificação do caráter das discussões feitas em torno da problemática feita pela mídia, que passa a discutir o flagelo a partir do prisma de que é um fato isolado, sem a interferência direta da mesma e na degradação da moral capitalista que, a meu ver, como dito acima, é a causa principal do problema. Com isso, dá-se a impressão de que o ocorrido é fruto único e exclusivo de uma mente doentia e isolada, sem qualquer ação ou interferência do paradigma capitalista citado acima e explicado simplesmente por psiquiatra que dão show nos programas televisivos, fundamentalmente, com explicações interpretativas e o critério de verdade se desloca do fato real que é a degradação da moral individualista capitalista para a interpretação puramente factual e isolada, desconexa e aleijada da problemática social, reflexo direto do modo de produção.

Tem-se, cada vez mais firme, a compreensão de que essas tragédias são produzidas no seio desta tensão em que está colocada a moral capitalista particularizada e totalizante, entre a subjetividade do consumismo de lado, e a objetividade da mídia em transmitir nas suas entrelinhas as suas diversas formas de violências de outro. Neste âmbito, aliás, redimensiona-se a questão do papel da Escola e da Educação na própria relação passado/presente do desenvolvimento da sociedade, intercalado com os diversos modos de produção e a degradação das suas moralidades.

Concordamos com os teóricos citados acima, que verem na degradação da moral capitalista, o eixo central das tragédias que, analisamos aqui, neste caso de forma talvez rápida demais, mas, o suficiente para colocar mais “pimenta” nessa discussão.

*Jeorge Luiz Cardozo é mestre em políticas públicas e desenvolvimento local sustentável.

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