O NOVO PDDU DE SALVADOR E A QUESTÃO AMBIENTAL
Por Jeorge Cardozo*
Este artigo tem a pretensão de fazer uma abordagem crítica a
cerca da aprovação do novo Plano Diretor
de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU), proposto pelo Executivo Municipal
e aprovado à surdina pela Câmera Municipal de Vereadores e os seus impactos no
meio ambiente.
A reflexão ora aqui
pretendida, busca expor questões em torno da relação urbana e natureza na
capital baiana no novo milênio derivadas pela relação predatória entre interesses
políticos e do capital. Busca ainda fazer um estudo histórico dos teóricos que,
ao longo do desenvolvimento urbano, buscaram interpretar academicamente a
problemática entre desenvolvimento urbano e destruição ambiental.
Para os objetivos
acima iremos analisar um pouco da história do pensamento ambiental e o Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU) e os seus impactos no meio
ambiente em especial a região da Avenida Paralela e os mananciais ali
existentes e os avanços da indústria imobiliária feita por grandes grupos
empresariais na região.
OS PRIMEIROS CONCEITOS
ENTRE CIDADE E MEIO AMBIENTE.
Ao longo da história,
a idéia de cidade e natureza já era pensada desde o inicio do século I d.C.
como bem nos mostra Maria José Marcondes que, citando Helen Rosenau afirma que:
“Helen Rosenau (1988),
no amplo mapeamento que fez dos modelos de cidades ideais na teoria urbana,
destaca que já em Vitrúvio (século I d. C.) existia a compreensão da relação
entre o homem e o que a autora denomina universo, conforme mostra o diagrama
dos ventos para localização das ruas no modelo de cidade ideal por ele
formulada” (Marcondes, 1999, p. 19).
Já no Renascimento
temos a vinculação de imagem da natureza às ações sociais nos protótipos de
cidades ideais tendo a água como preocupação inicial. Pensadores como Alberti
(1401-72), que preconizava que as ruas deveriam ser traçadas a maneira dos
rios, Filarete (1400-69), que nos seus desenhos e descrições sugeria modelos de
cidades fluviais e em Leonardo da Vincci (1452-1519), destaca-se as suas
preocupações sociais do livre acesso dos trabalhadores e artesãos à água por
intermédio da análise das ilustrações de canais fluviais penetrando nas
cidades.
Thomas More, já no
Alto Renascimento na sua obra A utopia, de 1516, idealizando vários tipos de
cidades em uma imaginária “ilha da Utopia”, descreve, na principal delas, a
presença das águas delimitando a cidade, os florescentes e abundantes jardins e
o cinturão verde do campo.
Para Choay:
“È possível ler nesta
obra tanto a nostalgia de uma ordem passada como a intuição futurista de
transformações sociais futuras (...), na medida em que propõe um modelo de
organização do espaço suscetível de ser realizado e com capacidade de
transformar o mundo natural (...) e adota o conceito de espaço-modelo solidário
de uma concepção da história e do trabalho apoiada por um sistema de valores”,
(Choay,1985, p. 152-62).
Percebemos aqui, nessa leitura de A utopia de More a
superação da idéia, presente no Renascimento, de uma natureza intocada
associada ao mito do sagrado.
Na opinião de Choay
o texto de More pode ser visto por meio de dimensões moral, religiosa,
econômica e poética; destarte, o que queremos destacar é a vitalidade desse
texto, ajustado às problemáticas das sociedades e da cultura ocidentais. Portanto, trata-se de uma obra que anuncia
questões e proposições que ecoaram nos autores utópicos posteriores: a
limitação do tamanho das cidades, o cultivo de jardins em seu interior e a
integração cidade-natureza.
Entretanto, Maria
José Marcondes preconiza que:
“No período maneirista,
a preocupação social que integrava o conceito de cidade ideal renascentista foi
substituída pelo formalismo, por uma preponderância do plano regular,
geométrica, adequado à necessidade de cidades fortificadas, isolando, por
conseguinte, o ‘mundo natural’”, (Marcondes, 1999, p. 20).
Já no Barroco, as cidades planejadas de Versalhes na França e
Karlsruhe na Alemanha apresentam o mesmo caráter formal com o traçado em Leque,
mas com possibilidades de expansão ilimitada na paisagem. Em ambos os períodos,
entretanto, o tema da natureza incorporado à estrutura urbana apresenta-se na
forma de um “naturalismo consolador, oratório e formativo, que durante toda a
época que vai de 1600 a
1700 tinha dominado a episódica narratividade das sistematizações barrocas”,
(Tafuri, 1985, p. 14).
No século XVIII, com a
consolidação do capitalismo industrial, a idéia de natureza toma rumo na forma
das utopias antiurbanas. Falando sobre a questão Tafuri afirma que:
“As utopias antiurbanas têm continuidade
histórica, que vai das propostas do Iluminismo – e, a propósito, não se deve
esquecer que as primeiras teorias anarquistas sobre a necessidade de uma
dissolução das cidades surgem precisamente na segunda metade do século XVIII –
à teoria da cidade-jardim, ao desurbanismo soviético, ao regionalismo da
Regional Planning Association of América (RPAA), à Broadacre-City de Frank
Lloyd Wright”, (Tafuri, 1985, p. 15).
Essas propostas muitas vezes apresentaram um conteúdo
conservador, integrando um movimento nostálgico em contraposição à angústia da
alienação metropolitana.
Amplamente
enfatizado durante o iluminismo, a idéia de natureza na construção dos modelos
de cidades, só perdeu este status no final do século XIX contemporânea, quando
passa a predominar a noção presente até meados do século XX, do naturalismo
urbano associado à restauração de uma natureza perdida. As propostas de Patte
(1723), de incorporação de elementos naturais à estrutura urbana; de Laugier
(1753), da analogia da cidade como floresta; dos reformadores clássicos Boullée
e Ledoux (1775 e 1783) para Paris e Chaux, respectivamente, de um modelo de
cidade implantada em um cenário rural; e o plano de L’Enfant (1771) para
Washington, na opinião de Maria José Marcondes (1999), configuram uma nova
maneira de encarar a vida urbana, grifo nosso.
Entretanto, esse
naturalismo urbano, presente nas propostas européias com a inserção do
pitoresco na arquitetura, e a valorização da cidade tendem a negar a dicotomia
entre cidade e campo. Tais propostas procuram adequar a cidade às novas condições
históricas e sociais e “naturalizar” o novo espaço territorial urbano
construído pela emergente classe social burguesa dominante.
Presentes nas
utopias urbanísticos de conteúdo social igualitárias do século XIX, momento em
que o conceito clássico de cidade se desagregou, sendo estimulado o conceito de
cidade-campo nos modelos comunais utópicos de que nos fala Françoise Choay
(1979). A esse respeito, Choay menciona as propostas de Owen (1771-1858), em
que os espaços verdes são concebidos a partir do isolamento das indústrias em
cidades voltadas às questões sanitárias; as de Fourier (1772-1837), que
preconiza protótipos das edificações comunitárias – as falanges -, dispostas em
anéis concêntricos, separados por relva ou plantações; e Cabet (1788-1856),
cuja cidade foi elaborada com a presença abundante de vazios e do verde
voltados à higiene e à salubridade.
Marcondes (1999) observa que:
“No utopismo político
da cidade oitocentista, a proposta mais contundente de integração entre cidade
e natureza é o modelo de cidade-jardim idealizado por Ebenezer Howard (1898),
que retomou alguns dos aspectos das cidades utópicas renascentistas de Thomas
More e de Leonardo da Vinci, a ele acrescentando as indústrias e as ferrovias
nos diagramas geométricos ilustrativos de seus esquemas, como observam Mumford
(1982) e Spim (1995)”, (Marcondes, 1999, p. 21).
Nesta mesma linha, no
projeto de cidade-máquina a idéia de natureza presente é a natureza
racionalizada e artificializada. A esse respeito, Reis Filho (1967) desenvolve
uma analogia dos planos do racionalismo dos anos trinta com os planos
maneiristas do século XVII e a expressão destes na concepção da natureza:
“Os planos
racionalistas apresentam a mesma rigidez e o mesmo caráter ideal dos planos
maneiristas, no século XVII. São frutos de um conjunto de princípios teóricos,
captados através da razão (...). Seus autores aceitavam e valorizavam a
verticalização e outras formas de centralização, aliadas, porém, à
reconciliação do solo urbano com a natureza. Eram cidades-jardins verticais,
onde as preocupações com a paisagem não se ligavam mais a razões de ordem higiênicas,
como a insolação e a aeração dos edifícios”, (Reis Filho, 1967, p. 44-6).
Esse modelo da
“natureza artificializada” é reiterado no zoneamento funcionalista proposto
pela Carta de Atenas, que domina o pensamento urbanístico até os anos sessenta do
século XX, com vários desdobramentos nas intervenções urbanísticas nas cidades
neste século.
Durante a segunda
grande guerra, aparecem vários críticos do projeto modernista que se aprimora a
partir dos anos 1960, tendo em Rossi (1971), com seu contextualismo e Frampton
(1997), com o regionalismo critico, esses dois teóricos buscaram resgatar ou
recuperar os conceitos de espaço e de lugar ausentes no urbanismo moderno.
Faziam isso, em consonância com as dimensões da história e da cultura local,
fugindo, entretanto, do ambiente natural.
Já nos meados da
década de 1980, a
discussão ambiental tomou novos rumos, não mais no plano global de cidades, mas
de forma fragmentadas em forma de megaintervenções urbanísticas na parceria
pública privado, atribuindo um novo papel às cidades, no que Hall (1995) e
Harvey (1996) chamaram de empresariamento da administração urbana.
Essa nova
nomenclatura buscava corrigir de certa forma, os descalços feitos pelo próprio
homem na relação cidade degradação ambiental. Buscava, entretanto, revitalizar
ou corrigir as destruições de áreas já degradadas e, incorporação de elementos
naturais presentes no espaço urbano, reafirmando a relação cidade-água. Nessa
linha, Marcondes (1999), diz que:
“Constituem exemplos
emblemáticos, embora com diferentes abordagens e níveis de complexidade
distintos, os projetos de Inner Habor em Baltimore, Boston Waterfrontem Boston,
South Street Seaport em Nova
York, Rom Rijnmond em Rottardam, Puerto Madero em Buenos Aires e
Docklands em Londres”, (Marcondes, 1999, p. 23).
Na atualidade, alguns pensadores vêm questionando os vínculos
entre o projeto ou o discurso de conteúdo ambientalista, que ganhou força nos
primórdios dos anos 1970, na relação de temas anteriormente recortados pela
questão social e as reestruturações advinda do sistema capitalista, com novas
formas de abordagem do processo produtivo e os de desregulação Tapalov, 1992.
A seguir, iremos
analisar as contribuições da Escola de Chicago nos anos 1920, e as discussões a
cerca da produção social do espaço nos anos posteriores, e chegaremos aos
conceitos de cidades sustentáveis nos moldes neoliberais da atualidade.
DA ESCOLA DE CHICAGO AO
PROJETO NEOLIBERAL DE CIDADES SUSTENTÁVEIS DO SÉCULO XXI.
Do ponto de vista ideológico e dentro das possibilidades
efetivas de aplicabilidade prática que fundamentou a idealização do campo e da
natureza nas formulações metafísica do urbanismo devem ser objeto de analise,
no intuito de, por meio de seu entendimento e de sua dimensão histórica, determinar
o significado do modelo ambiental e da visão contemporânea do naturalismo,
assim como as proposições de teóricos da atualidade em direção a um projeto de
cidades sustentáveis nos moldes capitalista de lucratividade.
Os espaços de
produção urbana se deram fora das utopias urbanísticas e dos modelos ambientais
em questão. Os
interesses fundiários é o fator determinante na relação entre cidade e meio
ambiente, como diz Spirn:
“A magnitude da
migração durante” os séculos XIX e XX para os subúrbios levaram, finalmente, os
problemas ambientais da cidade para o campo, criando um muro maciço de
propriedades privadas entre aqueles que viviam no interior da cidade e as áreas
rurais mais além, um muro ainda mais efetivo na separação da cidade em relação
ao campo circundante do que as amplas fortificações dos séculos XVII e XVIII
(Spirn, 1995, p. 51).
É gritante no meado do
século XX, o aumento do processo de degradação e de artificializarão dos
ecossistemas naturais em virtude do aumento dos processos de urbanização e da
indústria sendo, portanto, bastante investigado por teóricos especialmente, em
países em desenvolvimento.
Marcada
profundamente pela influência norte-americana, as teorias urbanas no século XX
principalmente em duas épocas distintas: no primeiro momento, entre as duas
grandes guerras, com as pesquisas da Escola de Chicago, a cerca dos mecanismos
de integração e desgornização social nas grandes cidades em épocas de
crescimento acentuado. O segundo momento, logo após a Segunda Guerra Mundial,
representado pela Escola de Michigan, com os fenômenos de difusão urbana e de
constituição de regiões metropolitanas independentes e hierarquizadas como
preconiza Castells, 1972, grifo nosso.
Já no meados dos
anos 1980 um grande número de teorias produzidas colocava em discussão a
influência da economia globalizada nos processos de acumulação de capitais,
influenciou na flexibilização da produção no período pós-fordista, e suas
influências nos processos de produção dos espaços urbanos territorial. Toda
essa discussão nos permitiu avançarmos na indagação e no entendimento dos
efeitos dessas novas formas de produção na relação entre a cidade e o meio
ambiente.
Dentro dessas
indagações dos impactos no controle ou gestão ambiental do espaço das grandes
cidades situa-se a problemática de Salvador e região metropolitana com as
mudanças do foco industrial das zonas habitadas ou de possível exploração
imobiliária para região de Mata Atlântica como ocorreu com Centro Industrial de
Aratu (CIA). Essa questão tornou-se emblemática com a formação de ilhas de
exclusão social e a produção de um espaço onde o poder local tem cada vez menos
participação, com as decisões sendo tomadas, às vezes, em um nível até mesmo transnacional.
A
transnacionalização do capital influenciou diretamente a questão ambiental de
forma que Milton Santos, falando sobre “redescoberta” da natureza afirma que:
“Na fase atual, onde a
economia se tornou mundializada, todas as sociedades terminaram por adotar, de
forma mais ou menos total, de maneira mais ou menos explícita, um modelo
técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recursos naturais e humanos.
È nessas condições que a mundialização do Planeta unifica a Natureza. (...)
unificada pela história, em beneficio de firmas, estados e classes hegemônicas”
(Santos, 1992, pp. 97-8).
O Paradigma de cidades sustentáveis passou a ser discutido com maior
profundidade a partir da Agenda 21, tirada na Conferência das Nações Unidas
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada na cidade de Belém no estado do
Pará em 1992, em que se estabeleceu a questão dos assentamentos humanos e
avanço da indústria em especial, como problema ambiental, considerando que, na
virada do século, a maioria da população estará vivendo nas cidades. Foram
incorporados problemas já existentes na agenda social, como o da provisão de
saneamento e habitação, com a inclusão de metas para a sustentabilidade
ambiental por meio da adoção de tecnologias apropriadas.
*Jeorge Luiz Cardozo é mestre em políticas públicas e
desenvolvimento local sustentável.
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